Trabajos y Comunicaciones, 2da. Época, Nº55, e168, enero - junio 2022. ISSN 2346-8971
Universidad Nacional de La Plata - Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Departamento de Historia.

Reseñas

MACK, John. O mar: uma história cultural. Prefácio Álvaro Garrido. Trad. Sarah Adamopoulos. Editora Book Builders: Lisboa, 2018.

Lana C. Gomes de Araújo

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Cita sugerida: Araújo, L. C. G. de (2022). [Revisión del libro O mar: uma história cultural por J. MACK]. Trabajos y Comunicaciones, 55, e168. https://doi.org/10.24215/23468971e168

Prefaciado por Álvaro Garrido, professor da Universidade de Coimbra e Consultor do Museu Marítimo de Ílhavo - Portugal, o livro de John Mack “O Mar: uma história cultural” traz uma análise interdisciplinar sobre o mar, apresentando-o como um espaço social e de trabalho, por onde existiu e continua existindo dinâmicas participativas dos mais diversos povos através da circulação de pessoas, objetos, animais, plantas e saberes.

A multiplicidade do ambiente marítimo, segundo Garrido, faz do mar um objeto impreciso, complexo, cheio de signos e discursos que nele se inspiraram, exigindo do pesquisador uma escrita tanto interpretativa quanto sensível que consiga captar sua essência. E, para tanto, John Mack precisou reunir diferentes fontes e aproximar-se das discussões teórico-metodológicas da história, antropologia e literatura durante sua investigação para alcançar um bom resultado.

John Mack é pesquisador sobre as culturas marítimas, professor da University of East Anglia – Reino Unido, explorando no livro acerca da diversidade dos mares, das tecnologias marítimas, práticas de navegação e como as diferentes culturas tiveram suas experiências em torno do mar ou no próprio mar. Partindo da ideia de que terra e mar não podem ser estudados de formas separadas, visto que estão interconectados.

O primeiro capítulo é um convite para refletirmos a respeito da experiência no mar, por quem trabalha nele, por quem depende dele e por quem é criado nas margens dele. O mar pode até ser o mesmo, mas a experiência é sentida de formas singulares de acordo com a região, ou seja, por aqueles do Mediterrâneo, do Báltico, da Micronésia, etc. Isso porque, de acordo com o autor, a visão, o som e o próprio cheiro do oceano apresentam características próprias que faz de cada mar ser único, com diferentes maneiras de navegá-los, demandando cuidados que produzem experiências ímpares do mundo marítimo.

Em “Conceitos de Mar”, Mack levanta sobre os significados e concepções antagônicas em torno do mar que limitaram o estudo sobre o mar. Concepções que giravam em torno ou do receio das pessoas que viam no mar um território selvagem que deveria ser evitado ou a partir de uma realidade conhecida, por meio da ciência e técnicas de navegação e desprovida de ameaças, como do imaginário dos animais “monstruosos” habitantes do oceano.

Ressalta o autor que não existe nenhuma cultura absolutamente marítima ou terrestre, pois uma não se sustenta sem a outra. As gentes do mar, podem até ficar durante meses a bordo, “mas precisam dos recursos da terra, como produtos da agricultura e de água doce para sobreviverem” (p.116). Ademais, o mar pode ser um recurso, um caminho ou até profissão de alguém, porém estar no mar não constitui obrigatoriamente uma carreira, sendo que em muitos lugares é simplesmente o que todos fazem no cotidiano enquanto lazer, extração de alimentos e recursos para produção de artesanato, rituais de passagem, etc.

Sob a premissa que a ligação com o mar é sentida de acordo com a percepção e experiência de cada um, John Mack traz questionamentos acerca do fascínio pela beira-mar no contexto europeu quando em meados do século XVIII as pessoas passaram a se juntar para olhar o mar. Mas para o que olhavam ao certo? Em que consistia essa atração exercida pelo mar? Como simultaneamente na modernidade passou a ser visto como um espaço saudável e inspirador, ao mesmo tempo que assustador e vivificante?

No capítulo 3, “Navegação e artes performativas”, o autor evidencia as experiências de dois navegadores de tradições marítimas muito diferentes. O primeiro, um árabe, Ibn Majid do século XV, que teria instruído Vasco da Gama sobre como atravessar o Índico, quando esse representava um sistema comercial integrado de muitos produtos, sobretudo em direção aos mares da China. O segundo, discutindo o caso de Tupaia, um navegador polinésio do século XVIII que teria sido levado a bordo do navio do Capitão Cook em meados de 1769.

Os personagens estariam unidos por algo em comum: figuraram entre os primeiros dos seus respectivos oceanos a cruzar-se com marinheiros europeus, seus métodos e práticas de navegação, revelando conhecimentos acerca das monções, obstáculos na forma de cardumes, ilhas, localização de portos, coordenadas e tantos outros elementos que vieram a contribuir com as experiências ultramares.

No capítulo 4, “Dos Navios como sociedades”, Mack sustenta a tese que o mar era um lugar dividido por várias pessoas que poderiam passar de alguns dias até meses juntos no propósito de chegarem aos seus destinos. Portanto, era importante que houvesse uma certa confiança mútua entre a tripulação a bordo.

Os marinheiros eram marcados por estigmas e tinham famas de desordeiros e indisciplinados. Corroborando com essa discussão, apesar da má fama, a tese de doutorado de Vinicius Oliveira (Oliveira, 2013) desconstrói essa imagem estereotipada sobre os marinheiros, mostrando que esse não era um ambiente bagunçado e existiam regras que tinham como objetivo manter uma organização entre aqueles que circulavam os navios e portos.

O capítulo 5 é dedicado as “Praias”, apontadas pelo autor como lugares ambíguos e pontos de interação, associados a lugares de lazer e dos portos, com dinâmicas de idas e vindas dos pontos de embarques e desembarques. Sobre essa temática, no livro “Tratos e Mofatras”, George Cabral (Souza, 2012) diz que a América Portuguesa era vista como uma possibilidade para aqueles que sonhavam com uma nova oportunidade entre o século XVI-XIX. Porém, nem todos que atravessavam o oceano em busca por fazerem negócios obtinham êxito (Souza, 2012). Ficando muitos dos desembarcados aqui fracassados, praticando delitos ou a mendigar pelas ruas e vilas.

Os circuitos mercantis eram espaços de disputas políticas evidenciados nas redes e alianças entre negociantes e agentes da administração colonial, inclusive, envolvendo comércio clandestino. Como pode ser observado no caso (Araújo, 2019) do governador da capitania da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, acusado de ir pessoalmente à Costa da Mina negociar escravos para vender embaixo da laje da sua própria casa, quando o tráfico mercantil de escravos era considerada atividade proibida pela Coroa Portuguesa aos administradores locais.

Por fim, o capítulo 6 “O mar na Terra” surge como uma das partes mais interessantes do livro contendo uma discussão acerca do processo cultural de inversão entre as coisas e os termos próprios da terra e os do mar, mostrando como os mundos marítimo e terrestre estão ligados. Mack sinaliza o que veio a ser tratado como “conversa de marinheiro”, atreladas diretamente aos mitos, lendas e crenças envolvendo esses personagens, ideias que perpassaram entre as gerações.

Nesse mesmo capítulo, John Mack mostra como há aproximações entre a arquitetura, aspectos simbólicos e ritualístico entre o navio e a devoção católica. Como por exemplo: a) a palavra “nave” (ala central da igreja) provém do latim e é oriunda do termo navio; b) o mastro do navio que pode ser equiparado a cruz; c) ambos - navio e Igreja - são lugares de confinamento; e d) os cânticos são cheios de dilemas teológicos e utilizam comparações com a vida cristã e vice-versa, termos como “mares turbulentos’ usados constantemente em sermões e contextos teológicos.

Esse capítulo lembra ainda a conjuntura examinada por Jaime Rodrigues (Rodrigues, 2015) nos registros de matrículas dos marinheiros embarcados em Lisboa entre o século XVIII e XIX, observando que havia uma grande diversidade de cargos e funções a bordo da marinha mercante luso-brasileira. Dentre os quais, os agentes marítimos estavam divididos em hierarquias mutantes entre um século e outro, como: pilotos, oficiais diversos, pessoal da cozinha, marinheiros comuns, oficiais da saúde e tantos outros.

Analisando as rotas marítimas transoceânicas podemos perceber que o mar é mais um conector do que um divisor entre os territórios. Tornando-se necessário repensar a interação entre o mundo marítimo e o terrestre, na premissa que o mar não é mera extensão das atividades terrestres, valorizando as histórias únicas que evidenciam uma maritimidade, ou seja, uma variabilidade de experiências humanas marítimas com realidades inteiramente distintas.

Para o âmbito da América Portuguesa, o estudo sobre as companhias de comércio, instituições mercantis, tributações, e especialmente as narrativas de experiências e trajetórias de pessoas que tiveram suas vidas intercedidas pelos mares, tem nos oferecido perspectivas teóricas e metodológicas para discutir as noções do Império Português, redefinindo o lugar e o papel dos navegadores e em maior ou menor escala, a interação entre o local, regional e global.

O livro se debruça em uma estonteante variedade de temas e atores sociais, através de diversas fontes, sendo, portanto, uma boa opção para quem deseja ter uma noção mais geral a respeito do(s) mar(es). Auxiliando como ponto de partida para aqueles que pretendem dar início as suas pesquisas nesse campo de estudo ainda pouco discutido na historiografia brasileira, mas que vem destacando uma pluralidade de trajetórias que contribuíram para a cultura marítima pelas experiencias individuais ou coletivas nas rotas socioeconômicas e culturais, tanto no oceano quando nas suas margens.

Ademais, o leitor pode ler os capítulos aleatoriamente, pois apesar de estarem interconectados, um não depende do outro. John Mack nos mostra como o mar é plural e seu estudo requer uma aproximação com outras disciplinas, como a história, arqueologia marítima, antropologia e até história da arte. Podendo ser problematizada através das mais diferentes fontes, a exemplo das biografias, textos literários e relatórios de viagens.

Referencias:

Oliveira, Vinicius Pereira de (2013). “Os significados políticos da insubordinação: cultura marítima e protesto marujo”. En Sobre águas revoltas: cultura política maruja na cidade portuária de Rio Grande/RS (1835 a 1864). Porto Alegre: UFRGS. Tese de Dout, p. 197-260

Souza, George F. Cabral de (2012). Tratos & Mofatras: o grupo mercantil do Recife Colonial (c.1654-c.1759). Recife: Editora Universitária UFPE.

Araújo, Lana C.G. (2019). “O governo do capitão-mor Pedro Monteiro de Macedo na Capitania Real Da Paraíba: Colonos, Indígenas e Religiosos (1734-1744)”. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós Graduação em História). Universidade Federal de Campina Grande.

Rodrigues, Jaime (2020). “Um perfil de cargos e funções na marinha mercante luso-brasileira, séculos XVIII e XIX”, Revista do Programa de Pós Graduação em História, 22(42). Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/51059/36151.

Recepción: 10 Julio 2021

Aprobación: 30 Agosto 2021

Publicación: 01 Febrero 2022

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